Gabrielle e Jean
Pierre-Auguste Renoir
1880
Estão à mesa brincando o filho e a esposa do pintor. As feições são serenas e os movimentos são leves. A criança observa o manuseio da mãe e tenta copiá-la. Ambos se encontram tomados pelo mesmo sentimento, em torno do qual gravita toda a composição do quadro. O gesto protetor, que envolve a criança com o braço esquerdo, coroa a harmonia atmosférica da cena.
Pierre-Auguste Renoir
1880
O quadro de Renoir mostra sua esposa brincando com
seu filho. A técnica de composição é nitidamente impressionista: a percepção
das figuras brota da conjugação das pinceladas. As notas cromáticas são
originariamente autônomas, é o olhar do observador que, aproximando-as,
estabelece o senso de totalidade. Ainda assim, seu impressionismo é rarefeito
quando comparado ao de seus pares.
A pintura não é orientada por uma estrutura prévia
de desenho, mas concebida através da própria pincelada. As cores e formas do
que parece ser um papel de parede florido se misturam imprecisas, assim como os
brinquedos se misturam com a mesa. Mas o contorno das figuras principais é
nítido, ainda que oscile em tensões com a cor adjacente, diferenciando os
objetos do mesmo modo que um desenho.
A pincelada do artista é denunciada, na medida em
que a coloração não imita a incidência da luz tal como na pintura acadêmica.
Mas as pinceladas se confundem em manchas de cor, perdendo sua autonomia. E
algumas vezes, ainda, essa mistura tonal se assemelha a uma gradação de chiaroscuro - claramente visível na
dobra das roupas -, reaproximando o mesmo desenho de que a técnica
impressionista quer distanciar-se.
A dissolução do referente, aqui, possui um
efeito mais próximo de Turner do que de Monet. Ele se perde em pinceladas, mais
do que surge através delas; se dissolve para simular a percepção da luz, mais
do que ela, inevitavelmente, o evoca. A pretensão de registro objetivo da
sensação visual, em função da qual surge a própria técnica impressionista,
nunca se emancipará da poética dos temas em Renoir.
Estão à mesa brincando o filho e a esposa do pintor. As feições são serenas e os movimentos são leves. A criança observa o manuseio da mãe e tenta copiá-la. Ambos se encontram tomados pelo mesmo sentimento, em torno do qual gravita toda a composição do quadro. O gesto protetor, que envolve a criança com o braço esquerdo, coroa a harmonia atmosférica da cena.
Esse mesmo gesto reaparece na composição cromática,
com o azul escuro envolvendo o azul claro. Mas entre as sombras da criança e os
pontos luminosos da mãe, as duas tonalidades parecem se aproximar, ecoando nas
paredes. As bochechas rosadas tornam o vínculo entre as figuras inegável, e
mesmo as mãos, que trabalham juntas, se confundem umas com as outras.
As mãos quase não contrastam com o amarelo e o
castanho escuro da mesa, assim como os contornos são imprecisos entre a mesa e
os animais de brinquedo. Eles são manuseados com delicadeza, como uma condução,
mais do que uma coerção. Estão envoltos pelo que parece um papel de parede
florido, marcando a relação de harmonia entre homem e natureza.
A leve imprecisão dos contornos e as manchas
cromáticas conferem à cena um caráter brumoso, quase onírico. Monet falava na
técnica impressionista como forma de registrar a sensação visual antes que ela
se alterasse. Enquanto isso, Renoir parece utilizar a mesma técnica como quem
se apressa em relatar um sonho antes que o esqueça. A técnica é semelhante, mas
os resultados são absolutamente diferentes. Um corre no tempo do dia, o outro
do tempo da memória.
Na legenda do quadro na exposição do CCBB, diz que a moça é uma empregada do casal, parente da esposa do Renoir.
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