23) Gabrielle e Jean

Gabrielle e Jean
Pierre-Auguste Renoir
1880

O quadro de Renoir mostra sua esposa brincando com seu filho. A técnica de composição é nitidamente impressionista: a percepção das figuras brota da conjugação das pinceladas. As notas cromáticas são originariamente autônomas, é o olhar do observador que, aproximando-as, estabelece o senso de totalidade. Ainda assim, seu impressionismo é rarefeito quando comparado ao de seus pares. 

A pintura não é orientada por uma estrutura prévia de desenho, mas concebida através da própria pincelada. As cores e formas do que parece ser um papel de parede florido se misturam imprecisas, assim como os brinquedos se misturam com a mesa. Mas o contorno das figuras principais é nítido, ainda que oscile em tensões com a cor adjacente, diferenciando os objetos do mesmo modo que um desenho. 

A pincelada do artista é denunciada, na medida em que a coloração não imita a incidência da luz tal como na pintura acadêmica. Mas as pinceladas se confundem em manchas de cor, perdendo sua autonomia. E algumas vezes, ainda, essa mistura tonal se assemelha a uma gradação de chiaroscuro - claramente visível na dobra das roupas -, reaproximando o mesmo desenho de que a técnica impressionista quer distanciar-se. 

 A dissolução do referente, aqui, possui um efeito mais próximo de Turner do que de Monet. Ele se perde em pinceladas, mais do que surge através delas; se dissolve para simular a percepção da luz, mais do que ela, inevitavelmente, o evoca. A pretensão de registro objetivo da sensação visual, em função da qual surge a própria técnica impressionista, nunca se emancipará da poética dos temas em Renoir. 





Estão à mesa brincando o filho e a esposa do pintor. As feições são serenas e os movimentos são leves. A criança observa o manuseio da mãe e tenta copiá-la. Ambos se encontram tomados pelo mesmo sentimento, em torno do qual gravita toda a composição do quadro. O gesto protetor, que envolve a criança com o braço esquerdo, coroa a harmonia atmosférica da cena. 

Esse mesmo gesto reaparece na composição cromática, com o azul escuro envolvendo o azul claro. Mas entre as sombras da criança e os pontos luminosos da mãe, as duas tonalidades parecem se aproximar, ecoando nas paredes. As bochechas rosadas tornam o vínculo entre as figuras inegável, e mesmo as mãos, que trabalham juntas, se confundem umas com as outras. 

As mãos quase não contrastam com o amarelo e o castanho escuro da mesa, assim como os contornos são imprecisos entre a mesa e os animais de brinquedo. Eles são manuseados com delicadeza, como uma condução, mais do que uma coerção. Estão envoltos pelo que parece um papel de parede florido, marcando a relação de harmonia entre homem e natureza. 

A leve imprecisão dos contornos e as manchas cromáticas conferem à cena um caráter brumoso, quase onírico. Monet falava na técnica impressionista como forma de registrar a sensação visual antes que ela se alterasse. Enquanto isso, Renoir parece utilizar a mesma técnica como quem se apressa em relatar um sonho antes que o esqueça. A técnica é semelhante, mas os resultados são absolutamente diferentes. Um corre no tempo do dia, o outro do tempo da memória.

1 comentários:

  1. Na legenda do quadro na exposição do CCBB, diz que a moça é uma empregada do casal, parente da esposa do Renoir.

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